As Tábuas de Mortalidade

      As tábuas de mortalidade são instrumentos muito utilizados em diversas ciências como a demografia as ciências atuariais por exemplo. Conforme afirma Preston (2001, p.38), a tábua de mortalidade é uma tabela que mostra informações sobre a mortalidade de uma coorte. Em sua forma clássica, a primeira coluna desta tabela representa a idade (em anos) de uma coorte e todas as outras colunas representam funções relacionadas à mortalidade, como o número de sobreviventes em determinadas idades, taxas de mortalidade por idade, mortes em intervalos de idade etc. A tábua de mortalidade, também conhecida na literatura como tábua de vida, é uma maneira de modelar a mortalidade de uma coorte.

As tábuas de mortalidade nos informam:
  • Idade (em anos) de uma coorte
  • O número de sobreviventes em determinadas idades
  • Taxas de mortalidade por idade
  • Mortes em intervalos de idade etc

      Apenas para ilustrar a importância deste tipo de instrumento, é através dele que se obtém as informações sobre a expectativa de vida em determinada idade. Estas por sua vez, são utilizadas para realizar projeções populacionais e com isso, é possível discutir por exemplo, os atuais problemas previdenciários. Além disso, é conveniente lembrar que muitos produtos atuariais têm seus cálculos baseados nas informações presentes nas tábuas de mortalidade.

O surgimento

      A história das tábuas de mortalidade se relaciona com a própria história do risco, que por sua vez contempla o desenvolvimento da estatística e as teorias da probabilidade. Entretanto, nem sempre a estatística foi relacionada com a demografia. Antes do século XVI por exemplo, estas eram disciplinas totalmente separadas.

      Em 1662 foi publicado o livro Observações naturais e políticas sobre os registros de óbito, cujo autor era John Graunt, um comerciante inglês. Graunt reuniu dados de nascimentos e mortes em Londres no período entre 1604 e 1661, e além destes dados seu livro trouxe suas interpretações. A obra de Graunt foi de extrema importância para o desenvolvimento do cálculo das probabilidades e para os métodos de amostragem.

      Como bom comerciante, o principal objetivo de Graunt era saber quantas pessoas haviam em Londres e suas características, como sexo, idade, religião, estado, profissão etc. e assim, possivelmente elaborar estratégias para seus negócios. Dados sobre nascimentos e mortes já eram registrados pela igreja há muito tempo mas não eram disponibilizados.

      No século XVII Londres enfrentava um processo significativo de crescimento econômico e populacional. Assim, Graunt percebeu que suas estatísticas representavam apenas uma pequena parte de todos os nascimentos e mortes que ocorriam. Ainda assim, ele conseguiu chegar a muitas conclusões sobre seus dados, com a maior precisão possível que seus conhecimentos e ferramental permitiam na época. Este tipo de análise é conhecida atualmente como inferência estatística, que consiste em inferir uma estimativa para uma população com base em uma amostra.

A imagem a seguir é parte do trabalho de Graunt.

Fonte: Desafio aos Deuses, p.94
Fonte: Desafio aos Deuses, p.94

      Graunt, mesmo sem saber, foi considerado como um dos cocriadores da ciência estatística devido a importância de seu trabalho. Uma curiosidade sobre a palavra estatística é que sua etimologia nos mostra que seu significado é uma análise de fatos quantitativos sobre o Estado.

      Outro personagem de extrema importância tanto para a história da administração do risco quanto para outras ciências como a astronomia, foi o cientista Edmund Halley. No final do século XVII, Halley realizou um estudo mais aprofundado do que Graunt havia feito. Umas das especificidades de seu trabalho é que ele decompõe os dados populacionais em uma distribuição etária. De acordo com Halley, essa tabela gerava informações úteis até para o governo, como por exemplo o número de homens aptos a prestar serviço militar. Além disso, a tabela informava sobre qual a probabilidade de uma pessoa de idade \(x\) morrer após algum número de anos, em outras palavras, sua tabela já apresentava os cálculos de esperança de vida em cada idade.

      Dessa forma, a tabela de Halley se tornou de fundamental importância para o mercado de seguros. Com as probabilidades de vida e morte de cada idade era possível então precificar de maneira economicamente justa produtos atuariais, como seguros de vida e anuidades. As tabelas que continham as expectativas de vida desenvolvidas por Halley foram publicadas em 1693, entretanto, apenas um século mais tarde os governos e as seguradoras passaram a considerá-las em seus cálculos. Sua utilização prévia poderia ter evitado problemas econômicos para os governos, relacionados a previdência.

A composição de uma tábua de mortalidade

      As tábuas de mortalidade são tabelas compostas por dez colunas, em que a primeira delas é a coluna das idades. Devido à algumas diferenças comportamentais e, em alguns casos até biológicas, existem tábuas de mortalidade que diferem o sexo feminino e masculino. Ou seja, mulheres e homens atravessam ao longo da vida, diferentes riscos de morte em todas as idades. Isso justifica a diferença de preços em produtos atuariais para ambos os sexos. Mesmo com tais diferenças, existem tábuas de mortalidade que são construídas sem diferenciar o gênero.

      A segunda coluna de uma tábua de mortalidade é a probabilidade de morte à idade \(x\) e \(x+n\), representada por \(_{n}q_{x}\). É calculada através da relação entre o número de óbitos observados no intervalo de idade \(x\) e \(x+n\), representado por (\(_{n}D_{x}\)) e o total da população neste intervalo de idade, representado por \(_{n}l_{x}\). Ou seja: \[_{n}q_{x} = \dfrac{_{n}D_{x}}{_{n}l_{x}}\]       Outra coluna importante é a que diz respeito ao tempo médio vivido no intervalo etário pelos que morreram no intervalo \(x\) e \(x+n\), representado por \(_{n}a_{x}\). É encontrado através da divisão do total do número de pessoas-ano vividos no intervalo \(x\) e \(x+n\) pelo total pessoas que morreram neste mesmo intervalo, ou seja \[_{n}a_{x} = \dfrac{_{n}L_{x}}{_{n}D_{x}}\]

      Para o cálculo da coluna anterior, é necessário a coluna \(_{n}L_{x}\), que representa o número de pessoas-anos que viveram entre as idades \(x\) e \(x+n\). Esta é uma coorte hipotética que significa tempo a ser vivido pelos sobreviventes da coorte na idade x, entre esta idade e o início do próximo grupo etário. Então \[_{n}L_{x} = n \cdot _{n}l_{x+n} + _{n}A_{x}\]

em que \(_{n}A_{x}\) representa o número de pessoas-ano vividos no intervalo pelos membros da coorte que morreram neste intervalo.

      Assim, uma maneira de se obter \(_{n}D_{x}\) é então: \[_{n}D_{x} = L_{x} - L_{x+t}\]       A próxima coluna representa o tempo a ser vivido da coorte de idade x até que esta coorte se extinga, representada por \(T_{x}\). É o número de pessoas-ano vividos a partir da idade x. É calculada por: \[T_{x} = \sum\limits_{t=0}^\infty L_{x+t}\]

      Por fim, com todas as colunas anteriores é possível agora calcular a experança de vida à idade x, representada por \(e_{x}^{\circ}\):

\[e_{x}^{\circ}=\dfrac{T_{x}}{l_{x}}\]

      A união destas seis colunas resulta nas tábuas de mortalidade atualmente utilizadas para diferentes áreas da ciência. Abaixo segue uma pequena da tábua completa de mortalidade - Ambos os Sexos - 2016, do Brasil disponibilizada pelo IBGE.

Idade \(_{n}q_{x} \times 1000\) \(_{n}D_{x}\) \(l_{x}\) \(_{n}L_{x}\) \(T_{x}\) \(e_{x}^{\circ}\)
20 1,380 135 97665 97598 5611172 57,5
21 1,477 144 97530 97458 5513574 56,5
22 1,543 150 97386 97311 5416116 55,6
\(\vdots\) \(\vdots\) \(\vdots\) \(\vdots\) \(\vdots\) \(\vdots\) \(\vdots\)

Normalmente as tábuas de mortalidade disponibilizadas não exibem as funções \(_{n}a_{x}\), \(_{n}m_{x}\) e \(_{n}p_{x}\). Obs.: \(_{n}p_{x} = 1 - _{n}q_{x}\).

      Em demografia, as probabilidades de morte entre uma pessoa de idade \(x\) e \(x+n\) anos (\(_{n}q_{x}\)) normalmente são multiplicadas por mil afim de que os valores se tornem mais interpretáveis. Por exemplo, na tabela acima a cada mil pessoas entre 20 e 21 anos, a ocorrência de morte era de 1,38 pessoas no ano de 2016. Entretanto, para cáculos atuariais, estes devem continuar sendo valores probabilísticos e, então, a interpretação seria: a probabilidade de uma pessoa de 21 anos morrer antes de completar 22 anos, segundo esta tabela é de \(\dfrac{1,380}{1000}=0,00138\), o que significa (por obviedade) que a probabilidade dessa mesma pessoa chegar viva aos 22 anos é de \(1-0,00138 = 0,99862 = _{1}p_{22}\).

      Uma observação a ser feita é que a construção de uma tábua de mortalidade é muito parecida com a construção das tabelas que atuários antigamente utilizavam, devido a impotência computacional, para realizar as técnicas de comutação.

Tábuas de mortalidade no Brasil

      As tábuas de mortalidade no Brasil são contruídas e disponibilizadas anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE desde o ano de 1999, em cumprimento ao Artigo 2º do Decreto Presidencial nº 3.266, de 29 de novembro de 1999:

“Art. 2°. Compete ao IBGE publicar, anualmente, até o dia primeiro de dezembro, no Diário Oficial da União, a tábua completa de mortalidade para o total da população brasileira referente ao ano anterior.”

      De acordo com o IBGE, nas tábuas de mortalidade guardam informações de condições sociais da população, como sanitárias, de saúde e de segurança. Assim, este material também tem sua importância para o desenvolvimento de políticas sociais voltadas a sociedade.

      Em cada divulgação feita pelo IBGE, também está contida a interpretação dos resultados. Além disso, o instituto também disserta sobre a evolução da mortalidade no Brasil e traz alguns resultados separados por estados brasileiros.

Classificação das tábuas de mortalidade

      Algumas tábuas de mortalidade são construídas sob a organização de alguns aspectos específicos da população estudada, como sexo, tipo de seguro, grupo de risco etc., e além disso por diferentes métodos. Assim, tábuas de mortalidade são classificadas de acordo com algumas dessas especifidades.

      As tábuas contemporâneas são tábuas cuja população é fictícia, normalmente 100.000 indivíduos e é sujeita as condições de mortalidade observadas para cada idade num determinado período de tempo. Se as informações são referentes a um único ano de calendário, define-se tábuas anuais. Se as probabilidades são contruídas com base na média de dois ou mais anos, denomina-se tábuas plurianuais.

      As tábuas geracionais, também chamadas de longitudinais, têm suas probabilidades calculadas com base num grupo de indivíduos (coorte) nascidos no mesmo ano. Para que isso aconteça, deve-se acompanhar estes indivíduos desde o seus nascimentos até as suas mortes.

      Uma outra classificação refere-se à forma com que estão dispostos os intervalos de idade na tábua. Tábuas completas contém dados para cada idade singular, desde o nascimento até o limite superior. Tábuas abreviadas formam grupos de idade.

      Há também a classificação por idades de seleção. Tábuas selecionadas são tábuas em que as probabilidades são realizadas considerando a idade do indivíduo. Tábuas finais “correspondem à última coluna de uma tábua selecionada, ou seja, aquela em que se admite que a duração (ou período de seleção) deixa de ter efeito sobre a mortalidade” (Bravo, 2007).

      Quanto ao tempo, as tábuas também podem ser estáticas, ou seja, todas as funções da tábua dizem respeito apenas a idade x. E ainda, podem ser tábuas dinânimcas, que as funções são indexadas, em linha, pela idade biológica e, em coluna, pelo ano de calendário (tempo cronológico).

Referências

  • BERNSTEIN, P. L. Desafio aos deuses: a fascinante história do risco. Rio de Janeiro: Campus, c1997. xiv, 389 p. 

  • BRAVO, J. M. Tábuas de mortalidade contemporâneas e prospectivas: Modelos estocásticos, aplicações actuariais e cobertura do risco de longevidade. Universidade de Évora, Évora, 2007.

  • Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2016. Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2016/tabua_de_mortalidade_2016_analise.pdf. Acesso em 7 de Junho de 2018.

  • PRESTON, S. H. Demography: measuring and modeling population processes. Malden, MA: Blackwell Publishers, c2001. 291 p.


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